Kalleo Coura

O outrora príncipe dos empreiteiros Marcelo Odebrecht trava uma batalha judicial – com citações a artigos de Direito Empresarial, mas cujo teor remete mais ao Direito de Família – contra a empresa que leva seu sobrenome no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Para a Odebrecht, Marcelo chantageou a companhia para receber transferências milionárias e viabilizar a assinatura do acordo de leniência. Para Marcelo, a empresa tenta sufocá-lo financeiramente. As acusações de lado a lado, até agora, resultaram num bloqueio milionário de bens em nome de Marcelo, da esposa e das filhas do casal.
Na etapa mais recente desse conflito familiar-empresarial, no dia 10 de novembro de 2020, os desembargadores da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP negaram embargos de declaração interpostos por Marcelo Odebrecht, por sua família e pela companhia e mantiveram uma decisão que determinou o bloqueio de R$ 143.499.314,07 nas contas de Marcelo, e em investimentos específicos da esposa e de suas filhas. Os desembargadores também negaram um pedido para que Marcelo voltasse a ser remunerado pela empresa.
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Em dezembro de 2019, Marcelo Odebrecht foi demitido por justa causa da Odebrecht por ordem de seu pai, Emílio, <a href="https://piaui.folha.uol.com.br/materia/guerra-dos-tronos/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">com quem está rompido</a>, deixando de receber uma remuneração mensal de pouco mais de R$ 115 mil.
Meses depois, Marcelo ajuizou um pedido de tutela antecipada de caráter antecedente à arbitragem para que a Odebrecht retomasse o pagamento mensal a ele, desde a data da interrupção.
Do outro lado, a Odebrecht ajuizou uma ação cautelar antecedente à arbitragem contra Marcelo, a esposa e as filhas para bloquear contas e ativos financeiros até o limite de R$ 143.499.314,07, valor que a companhia repassou a eles por força de um termo de acordo firmado entre Marcelo e a empresa em 16 de novembro de 2016.
O acordo entre Marcelo e a Odebrecht previa o seguinte:
“1.1.1. A Companhia pagará ou reembolsará, a título de indenização, ao Colaborador, diretamente ou através de transferência dos recursos diretamente a seus familiares por ele indicados, o valor integral da multa prevista no Acordo de Colaboração e demais danos sofridos pelo Colaborador ou sua família, no valor estimado de R$ 143.499.314,07 (cento e quarenta e três milhões, trezentos e noventa e nove mil, trezentos e quatorze reais e sete centavos), sendo certo que: (i) R$ 70.100.000,00 (setenta milhões e cem mil reais) serão pagos à vista na data da assinatura; e (ii) o valor estimado remanescente de R$ 73.399.314,07 (setenta e três milhões, trezentos e noventa e nove mil, trezentos e quatorze reais e sete centavos) a ser depositado em conta de fiel depositário indicado pelo Colaborador e cuja operacionalização de depósito será regulada por Contrato de Depósito a ser firmado as Partes e Depositário.”
Anos depois, a Odebrecht afirma que este acordo teria objeto ilícito e que foi firmado “mediante coação”, já que Marcelo Odebrecht teria ameaçado inviabilizar o acordo de leniência da companhia, prejudicá-la e prejudicar pessoas a ela ligadas caso suas exigências não fossem atendidas. A empresa também alega que este acordo não teria tido a necessária aprovação do Conselho de Administração e da Assembleia Geral, e que por isso seria nulo.
A Odebrecht narra que pagou a multa imposta a Marcelo Odebrecht por força do acordo de colaboração premiada firmado com o Ministério Público Federal, mas que o valor adicional de R$ 143.499.314,07 não traria nenhum benefício ou contrapartida à empresa e só funcionaria como “blindagem patrimonial” à família de Marcelo, benefício que não foi conferido a nenhum dos outros 76 delatores da empresa, que só tiveram as multas pagas.
Agora, busca bloquear os valores porque Marcelo estaria blindando o seu patrimônio já que foram encontrados apenas R$ 600 em suas contas. Além disso, a empresa alega que Marcelo doou imóveis às filhas e alterou o regime de comunhão de seu casamento de separação parcial de bens para separação total.
Marcelo Odebrecht, por sua vez, se defende dizendo que o “termo de acordo” é plenamente válido e eficaz, e que a Odebrecht assumiu a obrigação de indenizá-lo por todo e qualquer prejuízo patrimonial sofrido em razão da celebração do acordo de colaboração com o MPF, incluindo o perdimento de bens. Os R$ 143,5 milhões previstos no “termo de acordo” e já pagos teriam sido mera estimativa dessas perdas, feita pela própria companhia, e objeto de adiantamento.
A defesa da família de Marcelo sustenta que o termo do acordo foi pactuado por insistência de Emílio Odebrecht, firmado por dois diretores, aprovado pelo Conselho de Administração e cuja deliberação foi ratificada pela Assembleia Geral, sem ressalvas, vários meses depois quando a Odebrecht já havia o Acordo de Colaboração de Marcelo.
E, de acordo com a defesa de Marcelo, o fato de não ter mais recursos disponíveis não decorre de atos de dissipação patrimonial, mas de ações da própria companhia contra ele, “ao suspender sua remuneração desde janeiro de 2020; bloquear o saldo de seu FGTS ao demiti-lo indevidamente por justa causa; deixar de pagar os R$ 36 milhões que entraram na recuperação judicial; e não ressarcir os R$ 79 milhões que desembolsou a mais do que recebeu, no âmbito de seu acordo de colaboração”.
<h3>As derrotas de Marcelo Odebrecht no TJSP</h3>
Na última semana, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial manteve um bloqueio de R$ 143.499.314,07 nas contas de Marcelo, e em investimentos específicos da esposa e de suas filhas.
Para o relator do caso, desembargador Grava Brazil, em juízo de probabilidade, vislumbra-se verossimilhança nas alegações da Odebrecht“(i) de ilegalidade do “termo de acordo”, no que tange ao pagamento dos R$ 143,5 milhões, para além da multa imposta por força do acordo de colaboração premiada e paga diretamente pela companhia às autoridades, e (ii) de que o “termo de acordo”, no que tange ao pagamento dos R$ 143,5 milhões nele previstos, teria sido celebrado mediante chantagem, apta, em tese, a configurar coação”.
Ele considera ser verossímil a alegação da Odebrecht de que Marcelo “teria colocado o atendimento às suas exigências patrimoniais como condição para viabilizar o acordo de leniência e, mesmo depois dele, para não prejudicar a companhia e pessoas ligadas a ela, o que sugere a existência de chantagem apta, em tese, a configurar a alegada coação”.
Além disso, “considerando a prática comprovada do agravado Marcelo de colocar recursos e bens em nome das agravadas [esposa e filhas], e ora cientes as agravadas de que a agravante [Odebrecht] busca a restituição dos valores que entende terem sido ilegalmente pagos e que estão sob sua titularidade, verifica-se risco de dissipação desses recursos e, consequentemente, ao resultado útil da arbitragem, caso revogada integralmente a liminar”, escreve Grava Brazil.
O próprio Marcelo Odebrecht, afirma o desembargador, sustenta que, em razão do bloqueio de ativos inicialmente deferido na ação de origem e porque o restante de seu patrimônio também estaria indisponível ou inacessível, “não teria ele recursos para satisfazer despesas básicas (que estariam sendo arcadas com recursos provenientes de empréstimos), nem para pagar as custas da arbitragem, cujos valores são muito inferiores ao que será discutido no procedimento arbitral. Isso reforça o perigo de dano e ao resultado útil da arbitragem caso a cautelar seja revogada”, argumenta.
Também na última semana, no dia 10 de novembro, os desembargadores da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial rejeitaram embargos de declaração de Marcelo Odebrecht contra uma segunda decisão da Câmara que havia negado um pedido dele para que voltasse a ser remunerado pela Odebrecht.
Marcelo sustenta que a empresa fundada por seu avô tenta “asfixiá-lo financeiramente”, “com base em mentiras e com a chancela do Poder Judiciário”, “em represália à intensificação de sua colaboração com a força-tarefa da operação Lavo Jato”. Para a defesa de Marcelo Odebrecht, a companhia está descumprindo a seguinte cláusula do acordo ao não remunerá-lo:
“1.1.3. Caso o Colaborador tenha deixado ou deixe de integrar o quadro de funcionários da Companhia, suas subsidiárias, controladas ou coligadas, as partes negociarão, de boa-fé, remuneração mensal, seguro de vida e seguro de saúde nas condições aplicáveis aos integrantes da Companhia, a ser recebida pelo Colaborador pelo período de cumprimento da pena restritiva de liberdade previsto no Acordo de Colaboração”.
A defesa de Marcelo Odebrecht aponta que o único requisito previsto na cláusula para o pagamento da remuneração mensal seria a de o colaborador deixar de integrar os quadros de funcionários da companhia, suas subsidiárias ou coligadas, sem qualquer ressalva sobre a forma em que isso se daria – se foi por demissão por justa causa ou não.
Para o relator, desembargador Grava Brazil, é plausível que “demitido o autor, ora agravante, por justa causa, cessasse o pagamento de qualquer remuneração mensal em seu favor, o que, em exame de cognição sumária, próprio da tutela provisória, aponta para a ausência de probabilidade do direito”.
“Se a demissão por justa causa afastaria ou não a obrigação de pagamento de remuneração mensal pactuada, e se tal obrigação seria alcançada pela ilegalidade da avença alegada pela companhia, são questões a serem examinadas em cognição exauriente, pelo árbitro, na condição de juiz de fato e de direito da causa (art. 18, da Lei n. 9.307/96), sem prejuízo do que prevê o art. 22-B, par. ún., da Lei n. 9.307/96”, escreve.
O mérito da batalha entre Marcelo Odebrecht e a empresa em que trabalhou por toda a sua vida será decidido no Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), onde está em curso uma arbitragem desde 9 de março de 2020.
Todos os processos mencionados nesta reportagem tramitam em segredo de Justiça.

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JOTA

Em 10/11, TJSP manteve bloqueio de milhões de Marcelo e negou pedido para que ele voltasse a ser remunerado pela empresa

Marcelo versus Odebrecht

Em 10 de novembro, TJSP manteve bloqueio de milhões de Marcelo Odebrecht e negou pedido para que ele voltasse a ser remunerado pela empresa